As forças de defesa precisam se adaptar às mudanças climáticas, disse Duncan Depledge, professor de geopolítica da Universidade de Loughborough, no Reino Unido. Os governos costumam preservar a área de defesa de exigências para a mitigação do aquecimento global. Mesmo assim, o tema é essencial para o setor, disse o especialista em geopolítica.
Depledge afirmou que, em alguns anos, poderá ficar mais difícil operar equipamentos, em situações de calor intenso que tendem a se agravar. Chuvas fortes também têm chances de ficar mais frequentes, o que poderá dificultar a movimentação das tropas. Outro ponto é a transição energética. Com a descarbonização, deverá ficar muito caro e arriscado para as forças armadas depender dos equipamentos que existem atualmente. Os efeitos disso ainda vão demorar. Mas a transição tecnológica na área militar também é muito lenta. Por isso, disse o especialista em geopolítica, é preciso começar a planejar as adaptações imediatamente.
Depledge participará do webinário “Clima, sustentabilidade e defesa”. O evento é promovido pelo Centro Soberania e Clima, em parceria com a Escola Superior de Defesa e a Universidade de Loughborough. O patrocínio é do iCS (Instituto Clima e Sociedade) com apoio da Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança). É possível se inscrever para participar do webinário até esta 4ª feira (15.nov.2023) por formulário digital.
Abaixo, trechos da entrevista.
Poder360 – Como o aquecimento global afeta a guerra?
Ducan Depledge – Há 3 aspectos nessa relação. O mais comum é especular como as mudanças climáticas podem ser um “drive” da guerra no futuro: como será o efeito na elevação do nível do mar, na disponibilidade de alimentos, na migração. Como essas coisas poderiam causar conflitos. Outra questão é como a previsão do clima pode se tornar mais difícil, com calor intenso ou excesso de chuvas. A volatilidade do clima tornará mais complexas as operações militares. Poderá ficar quente demais para operar alguns equipamentos. Ou o solo poderá ficar muito encharcado para mover equipamentos. Temos que pensar como as mudanças climáticas obrigarão as forças armadas a se adaptar. O 3º aspecto é que as mudanças climáticas pressionarão ainda mais a transição energética já em curso. O mundo se afasta dos combustíveis fósseis. Os militares têm que planejar sua transição. Como vão se abastecer no futuro? Como vão operar em um mundo de baixo carbono?
Como as estratégias de defesa em diferentes países devem se adaptar a isso?
O 1º passo é entender qual a contribuição das forças armadas para as mudanças climáticas. Quanto é a emissão de gases do efeito estufa? Em que medida a mudança climática afeta a defesa do país? As forças de defesa terão de pensar em quanto podem reduzir as emissões. Há 3 ou 4 modos de fazer isso. O 1º é pensar quais as alternativas disponíveis para substituir combustíveis fósseis. Em vez de deixar de usar óleo diesel e gasolina tirados do subsolo, podem-se criar versões sintéticas. Podem-se usar biocombustíveis. Algumas forças de defesa podem usar a alternativa nuclear. Também é preciso considerar a energia renovável, com baterias e maior uso da eletricidade. Mas se essas tecnologias não funcionarem, ou se não amadurecerem rapidamente, outras medidas podem ser adotadas pelos militares, por exemplo, mudanças no modo de operar. Os procedimentos podem ser revistos. Outra questão é concentrar as atividades no que realmente é central, como a defesa territorial.
Os países estão atentos à necessidade de mudança?
Eu diria que a atenção a isso está crescendo. As forças de defesa de países ocidentais, dos países da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], estão reconhecendo isso como um desafio. A Otan deixou claro há 2 anos que quer ser a organização líder nas análises das implicações de segurança para a mudança climática. Países como Reino Unido, França, Estados Unidos, Canadá, alguns dos nórdicos, estão falando mais sobre esses desafios. Eles não têm as respostas, mas reconhecem o desafio. Fora do mundo ocidental, podemos falar da Índia e da China como países que emitiram sinais sobre a existência do desafio, sobre a necessidade de se mover para novos combustíveis e sobre o fato de que, se não é possível evitar esse tema [o aquecimento global], é melhor tratar disso, porque no futuro ficará mais difícil. Eu diria que ao redor do mundo há um crescente reconhecimento de que isso é um problema que os militares não podem mais ignorar. Mas o que eles podem apresentar como alternativas é algo que precisa ser demonstrado.
A adaptação às mudanças climáticas não é um problema que será resolvido neste ano ou no próximo. Em quanto tempo o aquecimento global realmente fará diferença para as forças de defesa?
É interessante essa pergunta. De um lado está certo: não será resolvido neste ano ou no próximo. O problema é que leva muito tempo para desenvolver e colocar em operação equipamentos militares. Estamos falando de projetos que, se começarem agora, podem levar 10 a 20 anos para estar nos campos de batalha. Portanto, isso seria perto de 2050. Então eu diria que, se você está procurando renovar equipamentos nos próximos 5 anos e espera que fiquem em serviço pelos próximos 30, 40, 50 anos, isso é um problema de hoje. Não algo que se possa esperar 10 anos para começar a planejar.
Então quem não estiver pensando nisso agora está atrasado?
Sim. Esses países estão atrasados. Terão que se adaptar no futuro. E isso ficará cada vez mais caro.
Forças armadas deveriam ter metas de mitigação de mudanças climáticas?
É uma pergunta difícil. Alguns grupos de ambientalistas pressionam para incluir as emissões de militares nas contribuições de cada país para reduzir o aquecimento global. Quando os países fazem o inventário do peso no aquecimento global, não têm que incluir as emissões dos militares. Alguns ambientalistas acham que deveriam. As estimativas de emissão das forças de defesa em todo o mundo variam de 3% a 7% do total de emissões. Focar em quanto os militares emitem talvez não seja o mais importante. Acho que não seria o caso de exigir que os militares reduzam emissões por razões ambientais, ainda que isso seja importante. O desafio é a disponibilidade de combustíveis fósseis no futuro em um mundo de baixo carbono. Na medida em que o mundo se afasta dos combustíveis fósseis, ficará cada vez mais arriscado para os militares depender disso. Nós podemos discutir regras em que os militares tenham que descarbonizar suas operações. Mas a questão é que, independentemente da vontade dos militares de fazer isso, eles terão que enfrentar o problema. Ficará muito caro sustentar as forças de defesa usando diesel, gasolina e carvão se o mundo tiver mudado em outra direção.
A defesa, como é relacionada à soberania, não deveria ficar fora das limitações de emissões?
É o que prevalece hoje. A compreensão na maior parte dos países é que os militares devem ser uma exceção. Se há uma política de limite às emissões, os militares ficam fora. O foco é na indústria, no setor civil como um todo.
É possível prever o dia em que os militares deixarão de usar combustíveis fósseis?
Ainda não. Será muito difícil fazer uma previsão. Como eu disse, os países que se preocupam com isso ainda estão tentando compreender o problema. Precisam colocar sistemas em prática e fazer medições, antes de começar efetivamente a buscar soluções.
Como as forças de defesa do Brasil devem ser adaptar às mudanças climáticas?
Não tenho uma avaliação ainda. É exatamente o que pretendemos fazer com a série de seminários que teremos, com militares, pessoas da academia, da indústria, para entender como exatamente isso se aplicaria no contexto brasileiro. Acho que cada país terá que olhar com muito cuidado para suas emissões e para a exposição de suas forças de defesa às mudanças climáticas. Não há uma solução única para todos. Dependerá de circunstâncias de cada país e das atribuições dos militares em cada país.
Paulo Silva Pinto – Editor sênior no Poder360